
Sou filha de uma índia, nascida em área indígena em São Paulo de Olivença município da região do Alto Solimões-Amazonas, meu pai um branco, funcionário público federal, me criou ensinando boas maneiras e no colégio estudei até a conclusão do ensino médio, formada em técnica de contabilidade, fiz vários cursos de relações humanas, habilitação em inglês etc.
No entanto pela minha fisionomia indígena, sempre observo que de alguma forma ou de outra sou vista de forma diferente, em Manaus, ou qualquer outra capital do país como Vitória, RJ. SP, BH e até Brasília, percebo aquele olhar diferente das pessoas, quando olham para mim, pois sou baixinha e magra porem, o meu rosto é a minha identidade indígena.
Há 16 anos faço um trabalho voluntário em prol da população de minha etnia e, tenho ajudado também alguns parentes de outras etnias.
Atualmente estou realizando um trabalho em prol dos indígenas sem teto de Manaus, tentando sensibilizar a Prefeitura e o Governo do estado a seguirem exemplos de outras Capitais e estados brasileiros, no sentido de doarem algumas casas a estes parentes indígenas (mais de 10 famílias já ganharam suas casas do Governo do estado do Amazonas) que hoje estão integrados a comunhão nacional, como também um Centro Cultural Indígena ou uma área de terra onde eles possam conseguir a sua sustentabilidade.
Também tenho tentando sensibilizar o Governo Federal, para que realize no estado do Amazonas, um grande projeto sustentável para as comunidades indígenas.
Consegui através de um trabalho árduo e combativo como Coordenadora Geral de uma organização indígena bastante séria, a COIAMA, que participou no Ciclo de Premiação 2004 do Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getulio Vargas com a Fundação Ford e colaborando com outras ONGs como a WWF etc. e, que nunca esteve relacionada como uma ONG que deixou de prestar contas por recursos recebidos, até porque nunca recebeu nenhum apoio financeiro de organismos governamentais, mais que foi reconhecida até pela própria FUNAI, em vários relatórios de identificação e demarcação feitas por vários Grupos de Trabalho, com reconhecidos antropólogos, que cumprindo determinação do governo federal atendendo nossos pedidos, realizassem os trabalhos de identificação e demarcação para que o Presidente da República, e o Ministro da Justiça no governo Lula, homologasse 14 Terras Indígenas, na região do Alto Solimões no Amazonas, como também a retificação de um erro cometido pela FUNAI, em 1996 que demarcou a Terra Indígena Evaré apenas para uma etnia e os governos de FHC e LULA reconheceram que nesta TI habitavam também outras etnias, com isso, milhares de indígenas tiveram seus Direitos Constitucionais respeitados.
Durante essa luta fui discriminada e caluniada até por funcionários do órgão de assistência aos indígenas, a FUNAI e consegui provar na justiça federal essa discriminação.
Minha família também sofreu discriminação, calunias e mentiras foram ditas até por alguns parentes indígenas, que nunca fizeram nada em prol da melhoria da qualidade de vida da população indígena, se preocupando apenas com seus interesses pessoais.
Por causa desta luta, um jornal que tínhamos, denominado ‘’O Solimões’’ e garantia o sustento de minha família, deixou de circular por falta de patrocínio devido a pressões políticas.
Em 2010, acreditando que havia chegado a hora de termos uma mulher na presidência da República e, até para acabar com um preconceito existente no meio indígena, contra as mulheres, pois era preciso fazer algumas pessoas entenderem, que os tempos mudaram.
Resolvi ser a primeira candidata indígena a deputada estadual pelo estado do Amazonas, como estava filiada a um partido que fez coligação com o PT de Dilma Rousseff, me senti confiante para encarar este desafio.
Fiquei surpresa quando em plena campanha, defendendo a candidatura de Dilma Rousseff para Presidenta da República, a minha coligação me discriminou não deixando sequer que eu gravasse uma inserção no rádio e TV, para mostrar os nossos projetos que certamente não seriam somente para indígenas.
Fui então, para a internet onde consegui fazer campanha apenas para aqueles que acessam a net, como o estado do Amazonas é super precário em internet, nem banda larga tínhamos à época da eleição, minha mensagem não chegou onde queríamos, mas, com a ajuda de amigos visitei algumas comunidades indígenas onde também levei o nome de minha candidata a Presidente da República, a qual contava com uma grande campanha de marketing, mais que precisava também de nossa mobilização, para que o efeito dominó acontecesse e Dilma conseguiu no Amazonas, a maior votação em termos proporcional do país.
Hoje fiquei mais uma vez surpresa, quando assisti pela televisão, a passagem da Presidenta da República Dilma Rousseff, como um cometa em Manaus no dia 22/03/2011, quando participou da abertura da campanha contra o câncer de mama e colo de útero no majestoso Teatro Amazonas.
Assisti a Presidenta fazer no início de seu discurso, a apresentação de várias mulheres que estavam presentes a este evento, de Hebe Camargo a Fafá de Belém e Zezé Mota e até a cantora amazonense Márcia Siqueira e, no Estado em que existe o maior número de mulheres indígena do Brasil, não vi nenhuma representante da população indígena do Brasil, PORQUE SERÁ?
Conversando sobre esse assunto com algumas indígenas fizemos uma reflexão sobre a forma como geralmente a mulher indígena é conhecida, apenas como artesã e cozinheira, quando na realidade existem mulheres indígenas no Amazonas que são profissionais em diversas áreas, formadas em universidades com capacidade até para assumir cargos tão importantes quantos aos demais.
As mulheres indígenas possuem competência para assumir qualquer cargo com responsabilidade, pois já existem muitas aldeias que contam com mulheres que foram escolhidas para serem caciques, as quais, tem dado bons exemplos nas suas administrações, melhorando a qualidade de vida de suas comunidades, estas são as evidências de sua capacidade de comando, o que prova que mesmo no meio indígena as tradições estão mudando.
Não existe a timidez da mulher indígena o que falta é a oportunidade, para que se possa desenvolver e mostrar o potencial e a capacidade que elas possuem, além das áreas que geralmente lhes são atribuída. Este artigo esta sendo públicado simultaneamente com o jornal de debates.
Um comentário:
Cara Regina,
O importante é continuar caminhando apesar da situação.
Micheal Feeney
Campo Grande-MS
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